segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Exposição de Pintura de Emanuel Sousa

De 5 a 30 de Novembro, Foyer 

Uma parceria entre Casa das Artes e Espaço Mude.
Exposição de Pintura de Emanuel Sousa
Titulo: "volta para a tua terra" - os rostos da imigração.

“Volta para a tua terra”, oiço as palavras a estilhaçar-me os dentes. Como se fosse simples para mim mudar-me para onde os rostos são diferentes, a comida não tem os sabores com que cresci, onde as pessoas falam com uma língua tão estranha ao meu pensar. Como se eu já não me sentisse, mesmo volvidos anos, como algo de fora, alienígena, a aprender de novo a ser. Como se aturasse de ânimo leve os olhares de esguelha irredutíveis, os preconceitos de quem fará sempre questão de me lembrar que sou um estranho em terra estranha. Como se... enfim.
Como se, francamente, houvesse ainda uma terra para a qual voltar. Mas então ninguém ouviu dizer? A minha terra está maninha e estéril. Sim, eu bem sei que tempos houve em que os meus pais a cultivaram com amor, cavando nela carinhosamente sulcos para as sementes de um futuro melhor, prontas a florir quando eu crescesse. Mas não sei bem o que aconteceu. Quando chegou a minha vez de a trabalhar, toda a minha terra estava já gretada, seca. Só urtigas e outras ervas daninhas conseguem lá crescer. E ninguém sabe como nem por onde começar a arrancá-las para fazer com que o trabalho dos meus pais não tenha sido em vão. Sei apenas que nada de meu consegue germinar ali.
E afinal de contas, aqui nem se vive mal. A terra, essa, não discrimina, e deixa-me crescer. Por enquanto, ainda é fértil, mais que a minha, pelo menos, e aos poucos, sinto-me a criar raízes e a estender os meus braços, e quando dou por isso, vejo-me com toda uma nova vida, novas amizades, novos horizontes, novos amores. Um dia, quem sabe, deixarei aqui sementes, nem daqui nem dali, para quem a minha terra não será mais que aquele lugar aonde se regressa uma vez por ano, tão estranho como este o foi para mim. Talvez a minha terra seja não o lugar que me gerou, mas o lugar onde me fiz. Se calhar é aqui que devo estar.
Mas por mais voltas que dê, nada apaga a saudade dos que ficam. Dos que reencontro sempre anos mais velhos a cada dia que os vejo. Dos que vou perdendo numa vida que corre a dois tempos; e é talvez por isso que se me estilhaçam os dentes cada vez que leio a súplica nos seus olhos. “Volta”, parecem-me eles silenciosamente pedir enquanto me abraçam e desejam boa viagem, “por favor. Volta para a tua terra.”

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